Carta para meu neto 66c5d
Por Gisela Breno
04 de fevereiro de 2025, às 14h19 • Última atualização em 14 de fevereiro de 2025, às 10h51
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Ainda que as paredes de nossas casas sejam separadas, moramos sempre sob o mesmo céu, e sob o mesmo abrigo das estrelas.
O portãozinho, que separa nossos lares nunca foi barreira, mas um portal por onde transitam afeto, cuidado e cumplicidade.
É por ali que o, todos os dias, com o pretexto de guardar meu carro na garagem, que é da sua casa, para lhe contemplar com toda doçura do meu ser.
Cerro meus olhos e me lembro, com detalhes, do dia em que sua mãe sentiu as primeiras dores do seu parto.
O mundo parecia conter a respiração, à sua espera.
Estávamos no refrescando na piscina, onde, hoje você recebe seus amigos; saiba que suas risadas atravessam a janela do meu quarto, e ecoam em meu coração, que sorri nesses momentos.
Quando você chegou, lindo, frágil e, ou por nós, a caminho da sala dos recém-nascidos, inquieta e já apaixonada, perguntei ao pediatra:
“Ele tem todos os dedinhos?”
Ah, Leo, a vovó frequentemente faz perguntas esquisitas, não é mesmo?
Mas cada uma delas sempre carrega, ao mesmo tempo, um pedaço do meu amor e um temor de que o mundo não o acolha em plenitude.
Não me esqueço de cada instante que fiquei com você para sua mãe trabalhar. Escolhia músicas bem relaxantes, colocava minha cabeça junto à sua para me enebriar com seu perfume de bebê e dormíamos.
Recebia a recomendação da sua mãe para que o acordasse depois de um certo tempo, mas confesso, também a ela, que nunca segui à risca os horários, pois antevendo o futuro, sabia da brevidade desse precioso tempo ado ao seu lado.
Adormecíamos juntos, num aconchego de amor. Então o tempo, ah o tempo parava, e eu mergulhava profundamente nas águas do puro amor, que emanava do pequenino seu ser.
Você crescia e eu, privilegiada, testemunhava cada o do seu desenvolvimento.
Meu coração, que pulsa fora do peito, por você e pelo seu papai, vibrava com cada descoberta, cada riso, cada conquista por você alcançada.
Era como ver uma flor desabrochar, pétala por pétala, em um jardim que eu cuidava com devoção.
Guardo na memória uma viagem feita a trabalho para o Rio de Janeiro.
Sua mãe, percebendo sua saudade, o colocou ao telefone para ouvir minha voz.
Como meu coração derreteu ao saber que meu menininho sentia falta da vovó!
Hoje, sorrio ao lembrar disso, pois agora, como tantos adolescentes, você a dias sem precisar ouvir minha voz e tampouco necessita dos bonequinhos que percorreram os mundos da sua imaginação. O Nick, prova visível desses mágicos momentos, enquanto eu viver, terá seu lugar garantido no quarto que era seu. Ao lado das fotos e alguns dos seus carrinhos, são bálsamos principalmente para os dias sombrios e solitários da minha existência.
Mas eu o entendo. Faz parte das etapas das nossas vida. As décadas de convívio em sala de aula, com meninos e meninas da sua idade, me proporcionaram o aprendizado de respeitar essa fase do desenvolvimento humano, mesmo quando a duração desses silêncios parecem uma eternidade.
Você, Leo, é o neto que todo avô e avó sonha ter: sensível, educado, empático e discreto. Um verdadeiro lorde, cuja beleza interna supera a externa — e, olha que essa é encantadora.
Consigo ouvir seu riso e sua voz dizendo, que exagero tudo sobre você.
Mas não é exagero, é a pura verdade e realidade.
Você é meu orgulho, minha alegria, meu menino de ouro.
Poderia escrever incontáveis páginas sobre você, mas vou colocar aqui um ponto e vírgula.
Nessa sexta-feira você iniciará sua jornada na faculdade dos seus sonhos, em São Paulo.
A distância física é pequena, mas meu coração chora por essa partida.
Não irei diariamente até a porta do seu quarto para um “oi” ou um “boa noite”, não ouvirei, por dias, sua voz; não serei “vótorista”; não olharei a câmera para lhe ver chegando ou saindo de casa.
Saiba que nosso espaço perderá, na sua ausência, o brilho, a beleza que preenche minha alma; e só a reencontrará quando você voltar nos fins de semana.
Talvez esses sentimentos lhe pareçam absurdos, mas Leo, é assim que me sinto.
Entretanto, de mãos dadas com eles, há um o coração cheio de gratidão por tê-lo em minha história de vida.
Que Deus o abençoe, o guie e o proteja de todo mal.
Que Ele o ilumine em suas escolhas.
E nunca se esqueça de que, onde quer que esteja, haverá sempre um portãozinho aberto para você e um coração, que bate no mesmo ritmo que o seu.
Com todo o amor do mundo, Vovó Gi.
Professora, Gisela Breno é graduada em Biologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e fez mestrado em Educação no Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A professora lecionou por pelo menos 30 anos.