Quando o cuidado escapa do real: o afeto projetado nos bebês reborn s573n
Por Gisela Breno
13 de maio de 2025, às 15h28 • Última atualização em 26 de maio de 2025, às 09h59
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Vivemos tempos tão áridos de afeto, que algumas mulheres aram a cuidar de bonecos como se fossem bebês reais.
Os chamados “reborns” — com aparência extremamente realista — recebem colo, mamadeiras, fraldas, roupinhas… e, talvez, mais do que isso, acolham a projeção de um afeto represado, de ausências que doem em silêncio, de histórias, que talvez nunca tenham encontrado escuta.
É preciso ter cuidado ao julgar.
Há solidões tão profundas que qualquer forma de consolo se torna uma tábua de salvação.
Mas também é preciso ter coragem de olhar para esse fenômeno com lucidez: o que há por trás de tanto zelo por algo que não respira?
Cuidar de um reborn como se fosse uma criança viva é, a meu ver, uma distorção do instinto de cuidado.
É o afeto que perdeu sua direção, a energia do materno sem lugar legítimo para existir.
E quando isso acontece, adoecemos como sociedade.
Porque onde a fantasia substitui o vínculo real, há uma ferida.
O que está faltando para que mulheres busquem laços reais?
O que diz de nós esse culto ao simulacro do amor?
Não se trata de condenar quem faz isso — mas de lançar luz. Para que o cuidado volte a ter corpo, cheiro, som.
Para que possamos amparar não só bonecos, mas gente. Gente viva. Carente. Real.
Professora, Gisela Breno é graduada em Biologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e fez mestrado em Educação no Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A professora lecionou por pelo menos 30 anos.